Terra estrangeira

3 abr
Eu, por exemplo. Achei ótima. Agora mesmo, insone, estava tentando achar coisas que não deram muito certo e em que eu poderia melhorar. Porque me bateu uma culpinha do tipo “tenho que ser humilde”. Acho muito válido a nível de ser humano que não consegue dormir, porque eu achei que minha aula foi massa, não fosse pelas, como direi?, interrupções inteligentes do tio? Como era de esperar, o tio não mandou sugestões para mudar o plano de aula que eu fiz, nem ligou durante o fim-de-semana, embora eu tenha me colocado à disposição. Sabe por quê? Porque segundo ele, eu estavando sendo ditadora. Tipo, “deixa que eu faço, eu tenho mais tempo livre, não se preocupe” é sinônimo de pegar a coisa pelas rédeas e não deixar ninguém subir na garupa. I’m such a mean cowgirl, gentê.

São tantas coisinhas miúdas, gentê. Por exemplo. A gente não deve falar em outra língua que não seja inglês. Adivinha? A primeira coisa que ele fez foi conversar em espanhol com quem falava espanhol. Coisas do tipo: “Quanto você sabe de inglês? Quantas palavras?” Tipo, a pessoa tem que contar nos dedos? Eu sei 26 palavras? Eu sei 108? Não sei, não sei. A outra é que ele não se identifica com o nome em inglês dele, isto é, o verdadeiro nome. Ele insiste que as pessoas usem o nome “traduzido”. Tipo, sabe quando Karl Marx era Carlos Marx em português, mas depois pararam com isso porque nome não se traduz? Ouquei, talvez cidades e países. Ouquei. Daí tio me interrompe pra perguntar coisas como: “E se eles tiverem dificuldade fazendo a atividade? O que fazer?” Deixa eu pensar. Você sabe inglês, eles não. Você é professor, eles alunos. Que tal ajudar? Não é uma idéia legal? “Mas como eu vou saber se eles precisam de ajuda?” Ai, gentê, cansei, né? Coisinhas miúdas. Ensinando frases “Abra o livro”, “Vá até a lousa”, “Escreva seu nome”. Tio acha difícil, muito complicado pras pessoas quando elas vêm a professora fazendo exatamente o que ela diz e o que está escrito num cartazinho de papel, um para cada frase, e quando as pessoas estão repetindo em coro e fazendo junto. Muito difícil. Há que interromper a professora para checar understanding. Então ele tem que bater na lousa e dizer: “lou-sá”. E mostrar o livro e dizer: “li-vrô”. A pessoa simplesmente confunde não saber inglês com bobice. E tantas outras coisas.

Quando deu a hora do intervalo, ele me pergunta como acha que estamos indo e eu digo que estamos indo de vento em popa e ele “Really?”, descrê. E quer discutir o plano de aula após a aula. Que não pode ser por telefone, que por e-mail não dá (ele que sugeriu, hein?) tem que ser pessoalmente, porque blábláblá. Sei que o tio me tirou do sério e eu dei meu primeiro piti em terras estrangeiras. Eu gritei com o homem que dizia bobagens tais como: eu sou uma ditadora, eu não aceito críticas. Hello, amigo, você só me veio com uma pataquada sobre não ensinar gramática e eu contestei usando argumentos sólidos baseados em teorias de ensino de ESL (inglês como segunda língua), não em argumentos tronchos como “este não é o jeito americano” que, aliás, você nem quis mostrar, porque não quis dar sua opinião construtiva nem quis botar a mão na massa porque cansa muito, quando eu abri meus canais SAC. Cansei, gentê, desse argumento besta e sem nenhum embasamento de que “você ensina do jeito brasileiro”. Aí, gentê, eu pirei. E comecei a gritar mesmo:

— Foi isso que me deixou brava! Você disse que tem certificado, eu também tenho, dude. Eu já dei aulinhas para iniciantes. Tipo, alguma coisa eu sei. Não tudo, mas tenho uma boa noção. E as técnicas de ESL são as mesmas em todos os lugares do mundo. Tipo, a globalização? Os meios de informação? O advento da internet nos tempos modernos?
— Eu também tenho! Da UPenn.
— (eu em minha cabeça: Caguei, você não sabe escrever grammar, ou alphabet. Você não consegue me dizer porque eu estou errada.) Eu te disse que aceitava sugestões, etc.
— Mas você ia aceitar minhas críticas? Por que você me aparece com esse plano de aula todo chique e detalhado e…
— (Hein? O tio então acha que eu tenho que fazer as coisas de qualquer jeito? E olha que eu fiz chique porque sabia que se fosse simples ia dar chabu) Ia, se você me der argumentos racionais e demonstrar os motivos pelos quais você acha que minhas atividades não vão dar em nada. Mas você só sabe dizer que não se ensina do mesmo jeito no Brasil, ou que eu não aceito sugestões. Mas cadê que você mandou sugestões?

O barraco, pessoal. Peço até desculpas aí aos meus conterrâneos, porque agora eu vou ser a barraqueira brasileira, só podia, ela faz barraco porque brasileiros são assim. Esse é o jeito brasileiro.

Enfim, na hora de ir embora ele me pergunta da aula de 4a., se eu também tinha tudo planejado e quando eu teria tudo pronto. “Amanhã, dude, se você quiser. Mas você disse que quer dividir, so go ahead and do it” (ou, como em minha mente: sugeri que ele largasse mão de ser folgado e só saber faz fusquinha e planejasse a próxima aula). E se eu tivesse tudo pronto, pessoal, ele ia implicar. Porque seria sinal não de que eu sou interessada, precavida e responsável, mas sinal de que eu sou ditadora. Porque eu planejo tudo e não sei dividir. E sugeri, aos gritos, que a gente ache um jeito de contornar essa situação porque voluntariado é pra ser divertido e legal, e não esse tormento. Ao que ele responde ouquei. Só isso.

Voltei pra casa e soquei travesseiros, literalmente. Eu tô ficando muito besta. B. segurou pra mim e eu dei meus soquinhos de fracota. Aí B. acha que eu não posso desistir. Eu não quero desistir, porque eu gosto de dar aulas e, tenho que admitir, agora eu quero ganhar a briguinha. Eu quero provar por a+b que ele não sabe lhufas, a despeito do tal certificado. Mas isso é besteira também. Porque se ele não sabe me dizer por que exatamente meu plano de aula era falho, também não entenderá lhufas do que eu possivelmente diga de negativo (no caso de a aula dele ser pra burritos e não pra pessoas espertas que não falam inglês) sobre a aula dele. E dirá, simplesmente, que é assim. E é besta e infantil (que luta com símbolos e acentos, nesse teclado, no escuro) eu querer ganhar briguinha. Ai, ai. Tenho 8 anos, eu te digo.

B. diz que estou sendo negativa de novo. Que eu tento adivinhar o que vai acontecer no futuro, que sempre vai dar merrrrrda, na minha imaginação, e me convenço de que estou totalmente certa. Então, tipo, talvez a aula do tio não seja uma bosta. Talvez o tio chegue na 4a. e diga, educada e, mais importante, inteligentemente, por que não concorda com meu estilo de ensinar. Mas, gentê, estava eu errada sobre o tio? Hein? Já estou até pensando na minha auto-crítica. Eu escrevendo nas margens do plano de aulas o que poderia ser melhor. Humildade, ainda que tardia.

Às vezes bem que eu queria que minha primeira impressão não estivesse certa, assim, no geral, não só nesse caso. Que eu não soubesse qual era a desse tio de primeira, porque eu ia dar a segunda chance que todo mundo merece de peito aberto. Mas não consigo. Porque o que eu pensava que ia acontecer, dito e feito. Que você acha?

3 Respostas to “Terra estrangeira”

  1. Lys abril 4, 2007 às 2:08 pm #

    Eu te entendo muito, porque sou ditadora quando trabalho em grupo. Eu não sei trabalhar em grupo e, cá para nós, não quero aprender. Se eu percebo que o grupo sabe menos que eu, a coisa fica ainda mais difícil para mim. Talvez você seja igual e, percebendo que o cara não vai acrescentar nada ao que você já sabe, mas antes arruinar todo o trabalho que você idealizou, fique inflexível e de mau humor. Se ficar com essa turma é importante para você, dê mais um tempo e uma chance ao índivíduo. Se continuar o estresse, sugiro que reconsidere, já que não tem grana na parada. Ganhar pouco (ou nada, como é o caso), só se for divertido. Eu acho.==============Me conte sobre a lembrança que meu post suscitou em você, vá!

  2. Ione abril 4, 2007 às 2:14 pm #

    Lys, turns out, o tio está sentido porque tem outra professora pra dar aula com ele. Então ele fica inventando picuinha e não colaborando, mas, ao contrário, fazendo de um tudo pra não dar certo. Ele mandou e-mail pro povo da escola dizendo que eu era injusta (!!!!!) e que ele queria as aulas só pra ele. Respondi ao povo da escola contando a história em detalhes e citando e-mail dele (cheio de erros, por sinal, com os devidos [sic]). Hoje à noite a gente vai conversar. O detalhe é que eu conversei com o tio à tarde e ele nada me disse sobre ter reclamado. Agiu como se fosse conciliador e me peidu que fosse cedo pra escola.

  3. Ione abril 4, 2007 às 6:00 pm #

    Plus, não é que eu tenha querido ditar regras, eu me propus a ajudar porque tinha mais tempo e mais idéias, e ele, que em nada colaborou com o plano de aula embora eu tenha pedido sugestões e estivesse aberta a discutir o plano, só fez reclamar que tudo era ruim, brasileiro.Eu tô muito brava, você não sabe. Esse é meu monotema. E tem mais, viu? A história ainda não acabou.

TISCUTO