Raivinha

29 mar
Tô com muita raivinha. Fiz treinamento para dar aulas de inglês para imigrantes, refugiados e asilados e tava toda contente porque, né?, eu gosto de dar aulas e ia conhecer pessoas bacanas de países diferentes no lugar de voluntariado que também parece bem bacana. Aí que o pessoal lá não prestou atenção e não viu que eu já dei aulas na vida por uns anos, que tenho certificados x e y e acabei tendo que dividir uma turma com outro voluntário que também é professor. Que é daqui e também tem um certificado w. Geralmente eles colocam um professor (leia-se alguém que já foi assistente lá) com um assistente (alguém que nunca na vida deu aulas).

Marquei de encontrar o cidadão para planejarmos a primeira aula. A gente nunca tinha se visto na vida, então ele se descreveu como nem gordo nem magro, com cabelo comprido num rabo de cavalo e jaqueta verde e branca e camisa amarela. Ouquei, imaginei logo um cabelo comprido, né?, tipo comprido. Mas era só um mullet sem-vergonha preso com elástico. A jaqueta era do México, porque ele gosta do México muito de verdade. Ele usa um lanyard que também diz México. Ele faz aula de espanhol. O nosso grupo é de alunos que só sabem nada ou bem pouquinho de inglês, então a gente tem que começar bem do comecinho. Lá do alfabeto. The alphabet. Esse tio nunca deu aula para iniciantes, tava todo nervoso, porque, Jesus-Maria-José, o que fazer? E anotou lá no papelzinho dele “the alfabet“. Esse foi o primeiro erro de ortografia, entre muitos. Não que eu saiba tudo e saiba mais inglês que o próprio homem nativo, mãs… fiquei incrível? Então marque aí o primeiro ponto negativo (1). Na hora pensei, tadinho, tá confundindo espanhol com inglês. Normal. Eu fui explicando algumas idéias e ele marcando o material: cartões. Você precisa de cartões? Eu posso pegar no escritório, em casa. Eu pensando, “gentê, quando eu digo cartão, tô pensando no papel sulfite que eu vou cortar com estilete e em que vou escrever com canetinha”.

(B. disse que eu sou negativa. Ontem, antes de mandar o plano de aula pro tio, eu disse pro B. que achava que ele não ia concordar, que ele ia querer discutir. Ouquei, concordei, porque eu sou negativa mesmo. Eu acho que sempre vai dar errado se houver chance de dar errado.)

Aí mandei por e-mail o plano de aulas, com comentários e muitos detalhes, porque é preciso dar detalhes. Explicar todos os tintins. Coisas que a gente tem na cabeça quando faz plano de aula, mas quando é pra mostrar pra alguém tem que escrever. Botei tudo lá. Objetivo, inteligências usadas, tempo, materiais pra trazer, possíveis problemas e soluções. Coloquei até explicações – por que eu achava que tinha que ter aquela atividade naquele momento, muitos, muitos detalhes. Enfim. Vou resumir aqui como resumi para G., que estou cansada da raivinha já.

Então vou retomar do ponto número 1. -1.

  1. o tio não sabe ortografia. Porque alfabet foi o primeiro de muitos errinhos feios que ele fez. Mas, ouquei, vamos perdoar, porque é normal e humano errar. Eu, por exemplo, não sei se esse tio vai “brochar” ou “broxar”, depois da praga que eu vou colocar, mas suspeito que não vá fazer diferença. Sério agora. Compreendo. Ninguém domina nenhuma língua, etc.
  2. o tio acha que a gente não tem que ensinar gramática. Acho que ele vê minha insistência em ensinar noções de gramática (por exemplo, pronomes pessoais) como não querer ensinar as pessoas a se comunicarem – se fazerem entender e entenderem outras pessoas – que é o objetivo das aulas. Porque as aulas não são formais.
  3. o tio acha que eu insisto com as minhas idéias porque he doesn’t know how I taught in Brazil, but here it is different.
  4. o tio criticou meu sotaque (que não é dos piores, dos mais fortes ou identificáveis, mas não vem ao caso), dizendo que meu inglês é bom, mas não é assim que a gente fala aqui – o que contraria total a idéia de que estamos lá para ensinar as pessoas a se comunicarem bem. Ponto.
  5. finalmente, depois de toda uma discussão sobre qual é o objetivo das aulas e sobre o que deve ou não ser ensinado, descobrimos que temos 5 alunos, ao que ele diz: acho que 5 alunos não pedem 2 professores. Vamos ver.

Pode ser que eu esteja tentando impor minhas opiniões e meu estilo de dar aulas. Mas também é verdade que eu me propus a fazer o plano de aulas e ele não reclamou, porque ele não tem tempo. Tô ficando muito louca ou ele acha que porque eu não sou daqui eu não sou qualificada suficiente? Ai, gentê, caguei. Se não foi pra ser divertido, vou fazer arquivo de atividades lá. Não careço.

4 Respostas to “Raivinha”

  1. Mimi março 29, 2007 às 11:59 pm #

    Ione, dava aulas ai no Brasil e dou aulas aqui na America. Eh tudo a mesma bosta, esse homem ai nao sabe de nada… 😉

  2. Marcos março 30, 2007 às 5:19 am #

    Pelo menos você não é negativa na hora de reconhecer a negatividade.The book is on the table. Boa sorte.

  3. Lys março 30, 2007 às 1:26 pm #

    Não carece mesmo, menina. Eu, por menos, já tinha mandado tudo às favas. Eu suporto muita coisa, mas ignorância com arrogância nem pensar. Essa sua história me lembrou de certos anúncios de emprego para professor de inglês em que os cursos explicitam uma preferência por “native speakers”. Imagine, heim, um trabalhador sem grandes estudos, só porque é “native”, nos dando aulas. Não presta, né? Boa sorte aí com o energúmeno.

  4. Ione março 30, 2007 às 4:08 pm #

    Né? Depois de muita dicussão, eu não arredando o pé, ele disse “We’re cool”. Cansaço. Porque eu fiz todo o plano de aula. Se ele tem tantas reclamações e acha que eu não vou prestar porque não sou produto original, que ponha mãos na massa.

TISCUTO